26/09/2013
Programa Agricultura Familiar e Agroecologia
Educação alimentar e ambiental nas escolas
“A propriedade é uma sala de aula!”, refletiu Juliano Madureira, de Porto Alegre, após uma saída de campo para conhecer uma área de agricultura familiar ecológica em Osório. Outra professora revelou que não teve contato com o meio rural durante toda a sua vida. A merendeira Cleusa Silveira de Souza, de Santo Antônio da Patrulha, que também cursa Pedagogia do Campo na UFPEL, acredita que “a escola (tradicional) é feita para os estudantes da cidade”. Ela ressaltou a importância das escolas receberem uma “educação do campo”, valorizando a cultura rural. Estas são informações, reflexões e novas vivências que educadoras e educadores do Litoral Norte tiveram a oportunidade de ter durante a formação em Educação Alimentar e Ambiental promovida pela ANAMA nos meses de maio e junho.
Experiências como a que o agricultor-educador Odir Oliveira realiza em uma escola localizada no distrito de Boa União, em Três Forquilhas, dentro do projeto Educar, Produzir e Alimentar. Produtor ecológico certificado pela Rede Ecovida, depois que ele iniciou uma horta na escola, os alunos começaram a levar o que aprenderam para suas casas e cerca de dez famílias já passaram a usar adubação verde em suas áreas.
O terceiro módulo da formação, que teve ainda um Sarau Eco-Cultural com a presença dos índios guarani da Aldeia Sons dos Pássaros, de Maquiné, apresentou também experiências de Permacultura nas Escolas e a Agenda 21 Escolar, com o arte-educador ambiental Juliano Riciardi, além da participação das coordenadoras da Rede de Educação Ambiental do Litoral Norte, que já existe há 10 anos.
Carta manifesta insatisfação em relação aos “alimentos” que chegaram para os estudantes
Durante a formação, educadores e técnicos da Anama elaboraram uma carta para o Setor de Alimentação Escolar da Secretaria Estadual de Educação, que também foi encaminhada para o Conselho Estadual de Alimentação Escolar, o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional e a 11ª Coordenadoria Regional de Educação. Neste documento manifestaram a insatisfação de professores, merendeiras e assessores técnicos da agricultura familiar agroecológica em relação ao recebimento de alimentos prontos para o consumo, que foram distribuídos para algumas escolas do Litoral Norte do RS. Neste caso, feijão com lingüiça e peito de frango cozidos, que os participantes relataram que possuíam sabor e cheiro ruins, além de salgados e de não serem frescos.
Com a intenção pressionar o Governo a cumprir com o fornecimento de alimentos saudáveis para os alunos, como a própria legislação da Alimentação Escolar determina, encaminharam uma carta em que marca uma posição pela mudança nos critérios de aquisição destes alimentos, exercendo o direito de participação cidadã na formulação e na execução das políticas públicas.
Veja a carta:
Desacomodar para mudar
Maura Monteiro Raulino, que é professora e educadora ambiental na escola Dom José Baréa, na cidade de Três Forquilhas, e integra a Teia de Educação Ambiental da Mata Atlântica nos concedeu esta breve entrevista durante a Formação. Ela fala sobre o seu trabalho e como acredita que este intervém no ambiente escolar e na vida das pessoas.
Por que não há educação que não seja ambiental?
Esta frase ouvi num curso de formação que participei. A gente discutia o que entende por educação ambiental, porque se você for nas bibliografias do Brasil e do mundo os conceitos não são os mesmos. Há muitos diferentes dependendo do viés que um pesquisador olha a educação, se ele é biólogo, historiador... Então ouvi de uma pessoa que não há educação que não seja ambiental, porque não é só trabalhar com o ambiente, mas com tudo, com a nossa vida, com nosso jeito de encarar as coisas, o jeito que a gente consegue viver neste mundo. Não é só eu me preocupar com uma espécie em extinção, ou com uma planta nativa, mas também com meu modo de vida. Pra gente fazer educação ambiental, de fato tem que fazer educação. Pensar desde a importância de um germe até a de um elefante na África. A educação ambiental é muito mais ampla do que a gente vê numa propaganda de animal, de rio, de lixo ou de plantar árvore. O nosso dia a dia é educação ambiental. Então é tudo, né?
Tu falou em mudança de postura diante da vida...
Eu tive que mudar minha postura. Tu começa a enxergar coisas que não tem como não mudar na tua casa. Tu mostra para os teus alunos e não faz? Eu acho que a gente educa muito pelo exemplo, pelo o que a gente é. Os alunos, principalmente os pequenos, te observam muito. Então eu vou falar da poluição do gás carbônico e vou todo dia no meu carro sozinha para a escola? Não dá. Então a gente tem que mudar de postura em tudo, na questão ética, politica, a questão do consumo, principalmente. Não tem como defender uma coisa se não acreditar, e se eu acredito tenho que viver aquilo, né? É isso que me motiva. A educação ambiental mudou minha vida. Hoje, tento consumir produtos que eu não pensava há 10 anos atrás, hoje penso e leio coisas que nunca imaginei que iria ler.
Tu estava falando que o trabalho de vocês incomoda e desacomoda as pessoas. Como é ter consciência de que trabalhar pela educação ambiental é ir contra o sistema hegemônico que domina a sociedade?
É dureza. O educador Piaget que fala disso, e desacomodar uma pessoa do ritmo em que ela está é muito difícil porque as coisas fazem parte do teu dia a dia, então tu vai ter que pensar e agir diferente. Tu lida com coisas que as pessoas nem pensam porque estão fazendo daquele jeito. Às vezes, as mães dizem: “mas faz tanto mal mesmo?” Porque a gente ensina pro filho e ele vai lá e cobra da mãe. Daí, muitas vezes elas dizem que não é tudo isso, que a bolachinha recheada não é tão ruim assim. As pessoas nem se dão conta de que aquilo ali pode ser diferente. Por isso que eu falo em desacomodar. Tu vai ter que mexer com a cabeça da pessoa e ela criar um novo estilo de vida. E isso não é fácil.
Dê exemplos de mudanças que vocês observaram, de como o trabalho de repercutiu na vida dos alunos e das famílias deles.
Por exemplo, a educação ambiental mudou a festa junina na nossa escola. Hoje, a gente procura, a partir do que trabalhou com as crianças, trazer alimentos mais típicos. Uma festa mais típica da nossa região. Nossa região é rica em milho, então nos preocupamos em fazer alimentos que são da biodiversidade local, que as avós e os avôs ensinaram as receitas. A gente traz e produz isso na escola. A gente fazia quentão com vinho para as crianças e a educação ambiental nos ensinou que não se pode dar álcool pra elas. E a gente nunca tinha se dado conta disso. O desacomodar é isso, é perceber numa pratica tudo o que pode ser diferente. Hoje, a gente faz um quentão com suco de uva orgânico, pra eles é natural, normal. A gente não usa mais copo descartável na escola. Cada um traz a sua caneca de casa. Antes, nós fazíamos gincanas competitivas, cada equipe tinha tarefas pra cumprir e apenas uma ganhava. Hoje, nós fazemos gincana colaborativa, todos vencem, não tem “um” vencedor. Tem vários exemplos.
A festa tem que ser para a comunidade, não para os professores, tem que ter a cara do local. Então a gente mudou o horário, o dia da festa. Tu tem que ter uma escuta muito boa, pra saber o que aquela comunidade está te dizendo.
A experiência de vocês poderia ser transformadora em outros locais também, se fosse empregada em mais escolas. Qual a possibilidade que tu vê desta experiência ser empregada toda a rede de escolas públicas do estado ou do país?
Eu sou muito esperançosa. Acho que há esta possibilidade, mas com estes governos ainda é muito difícil. Teria que ter uma cobrança, porque as coisas acontecem pela cobrança. Acho que nós educadores que já estamos sentindo esta necessidade de mudança, não podemos esperar vir lá de cima. Temos que reivindicar, através das nossas coordenadorias de educação, das nossas secretarias de educação, pra chegar lá em cima e haver a mudança na política pública. Nós esperarmos dos governos acho bem difícil. Mas tenho esperança que a gente vai chegar lá porque este trabalho que começou em uma, duas escolas, hoje atinge cinco municípios da região. A gente já conseguiu mudanças nos municípios, então por que a gente não pode chegar no estado? Agora esperar lá de cima não. Tem que vir de baixo.
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